Giselda Medeiros

Canção para buscar-te


Deixarei que o vento perpasse
o meu ser e dele retire
teu nome, teu gesto, teu vulto
para que eu possa respirar.

Deixarei que as estrelas roubem
teu brilho e em seu olhar azul
prenda-o, assim, verei luzir
uma outra vez o meu olhar.

E deixarei que o mar te alcance
com sua voz potente e rouca
para que eu possa ouvi em mim
a minha voz, já quase morta.

E deixarei que o tempo leve
a solidão que o teu silêncio
bordou nas fimbrias do meu ser,
naquela tarde que chovia,

E depois de tudo... ah! depois
quero ver minha alma cansada
ainda assim te procurar
sofregamente e nada, nada,
nada de ti reencontrar.

Talvez que sabe não te achando,
desesperada, e louca, e tonta,
se volta pra si, sonâmbula,
para encontrar-se, enfim, a sós.

Mas, como poderei achar-me
se não estiveres em mim?
Pois é no teu caminho vago
que traço o meu destino andante
de estrela, de rio, de vento,
margeando sempre a solidão

**************************************************

Antigênesis


E disse o homem:
"Faça-se a minha vontade!"
E poluiu as águas dos rios
e pôs veneno no caule das árvores
e pôs espelhos negros no fundo da alma
e pôs travancas no peito com chaves
e pôs muralhas no olhar das crianças
e pôs cimento no ventre da abelha
e pôs espadas na toca do amor
e pôs cortinas no altar da esperança
e pôs barragem na ilha da fé.
Depois de tudo isso
descansou nos braços da Morte.

**********************************************

Parábola do amor recém-nascido


E disse-me a Noite:
"Cairá sobre ti o indizível da minha boca,
e as canções de ninar, que eu não tive, e
embalarão todos os teus medos
que dormirão na paz infinda dos segredos.
E não temas: serei a tua bússola
no frenesi afoito dos ocasos;
serei a mão de trevas que há de te guiar nos longes
dos meus domínios de negra majestade.
Carrego as chaves que abrem as alvoradas
onde as estrelas, precursoras de caminhos,
semeiam seus momentos de saudade.
Acordarei, de um sono milenar,
o deus dos deuses — o supremo Amor
e ordenarei que ele te alcance
com um só raio do seu olhar.
E tu, analfabeta diante das procuras,
hás de ser sábia na busca dos prazeres
e, no teu ventre estéril de esperança,
fecundarei a tua própria vida,
e nascerás do Amor em tuas próprias mãos."

************************************************

Foz


Faze-me a embocadura
da turbulência de tuas águas
de semeadura,
que eu te mostrarei
onde se escondem
gritos e sussurros,
gestos e ânsias
à espera da correnteza.

Nenhum comentário: