Edmir Carvalho Bezerra

Objeto partido (a rosa louca)


eu sou a rosa branca
tons lilases que borbotam em mim
são ais de outras flores
que transbordam chorosas
nos umbrais dos livros
brotei na boca de um ferro de engomar
que passante fora
ferro de passar história
se acalorou
se resfriou
virou compêndio da escravatura
sólido na biblioteca
o ferro da escrava louca
ainda pouco era um livro
de tanto borralho e assopro no fundilho
ferro rouco de passar roupa
cuspindo fumaça em estribilho
guardou cinzentas histórias nos pulmões
ferro lírico à carvão
se punha em pé no romanceiro
olhando de hora em hora à mesma janela
paisagens seculares em movimento
tempos atrás de tempos
eu sou a rosa louca filha de um ferro antigo
a gaivota com água no bico
morrendo de desejos pelo peixe icógnita
pintado no aquário
primeira paisagem
o mingau feito de via-láctea em pó
a moça elétrica sem tempo para o filho
pensa em novos deleites inconseqüentes
outra paisagem que entrevemos
eu louca e o ferro velho à carvão
tantos amores exalam dos livros
o nariz de meu pai é muito grande
reacende a saudade da escrava louca
ruínas de gotas engelham minhas pétalas
tantas paisagens transmudando-se na janela
meu pai comete suicídio
sou a rosa no raso da biblioteca
filha de um objeto par-ti-do
semelhantes cacos coçavam Jó
deitam sobre toalha engomada
em galeria nobre
uma instalação mais que pós-moderna
na ardósia do atelier clarividente
eu sou a rosa roxa
a rosa esquecida

*****************************

Nós


você viu os tristes semblantes das marionetes
corrompidas em linhas
tenho dó
não das marionetes
mas dos nós prisioneiros
marionetes de miriti
fruta pavulagem
nos visita de dezembro a abril
você ouviu a voz do ventríloquo e seu boneco cabeça de cuia
não posso mais visitar circos
o homem que engole fogo
a mulher transpassada pela espada que brilha no meu olho
a corda bamba fio de navalha
o mágico roubando as moedas de nossas orelhas
a sereia voadora de trapézio a trapézio
isso me dá calafrio
o mesmo frio que se cala de março a novembro
não vou com você ao circo
é patético rir de anões
é vertiginoso está ao seu lado
enquanto você flutua
vestida de sol
e se o circo pegar fogo?
se o palhaço resolver me dá um soco?

para quem muito cedo
pensou no corte fatal
eu e tu minha mãe
sofremos de escuridões
e debruçamentos sobre escrivaninhas
papéis gelados lisos cinzas desimaginados
cicatrizam esses papéis nossas impressões digitais
deixei os circos
para ver minha coleção de selos
todos inúteis
até o sétimo
quero imagens de merthiolate para curar nossos papéis
asas de galinhas
ferrugem de trilhos
palhas mortas do miritizeiro
peixes fumando cachimbos
vassouras subindo escadas
quadrúpedes dançando valsas
o retorno de um velório
coisas esvaziantes
preciso ficar triste
por favor
faça-me essa ausência
um dia eu conto tudo que vi
deixe-me sentado a dois metros da janela
apenas dois
a dor apenas
os olhos dentro de um tubo
sem ver a periferia
sem ouvir esquinas
se eu enxergar uma estrela caindo?
se eu apontar o indicador?
vai ser extraordinário
passar a noite chorando
menino menino menino
vai nascer verruga no dedo
da meia noite até o final do escuro
virão simplicidades assustadoras
um jacaré no corredor da casa
todas as luzes apagadas
um jacaré fosforescente
comendo alface
lendo “TELEFONES VERDES E QUIABOS FRITOS”
esse livro áspero que virá


em
nós
desatem-nos escoteiros
tenham dó
de nossas cabeças

************************************************************************

Nenhum comentário: