Dimas Macedo

Argila


Em duas partes
a vida se divide
e em duas artes
o imponderável
do corpo se revela.

Pela primeira arte
o rito do amor é chamas;
pela segunda
o mito da paixão é dádiva.

E a dor de não amar
o amor é devaneio torpe
porque o prazer inflama
a dor de não doar
o corpo ao precipício.

E tudo que tu dizes
o barro dos teus olhos
o brilho do teu rosto
o sal dos teus dedos
de marfim e tédio
tudo é impasse
pois tudo está exposto
à liturgia da divisão das partes.

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Mulher


Me segura, mulher,
que eu vou morrer de fome,
eu vou cair de sono, aqui,
nestas areias quentes
do teu corpo.

Não tenho vida, mulher;
um sonho trago nas mãos:
amar, amar o teu amor,
e as tuas carnes brancas
e os favos de mel
sangrando em tua boca.

As tuas pernas, mulher,
as tuas pernas
cravadas no meu dorso,
e assim sem jeito,
escravo do veneno,
vou navegando no anzol
de tua língua
e vou morrendo
de morte não morrida.

Foi o amor,
a harmonia do amor
em nossas bocas
sôfregas de desejo
e de pele e de osso
e de sal e de sementes,
pois que o chão da infância
já não conta,
pois que o milagre do corpo
é a cancela
da vida que se ia
e que não vai mais nunca.

Terei para ti os lábios
e as conchas do prazer
que te darei
em sois de melodia
e em estrelas de sêmen
que descerão
por entre tuas coxas.

E que seja consagrado ao vento
o brilho desta praia
e a música destas ondas
onde te vi espumas
e te beijei sereias
para a glória do amor
e a nossa dança de luz
brilhando para sempre.

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Mistério


Não sei por que destino vago
ou se vegeto.
Minha vida é qual um livro aberto
que atravesso a nado.
Minha solidão tem bases de concreto
e as minhas ânsias claras intenções.
Com as lições da dor eu teço
uma canção ao vento
e reinvento a vida.
A morte é um vendaval e em tudo
o cosmos é uma interrogação.
Meu corpo a fuga. Meu prazer o medo.
E a minha dúvida uma alucinação.
Se vago ou se vegeto, escrevo:
Minha vida é qual um livro aberto.

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Magia


Estrangulo-me nas mãos da primavera.
Dilacero-me na dor
das sombras que ensangüento.
Sou a ternura que se enclausurou
na angústia das pedras.

Tenho as mãos no mundo
e os olhos seguros nas mãos.
Vejo-me que sou carne e unha
quando me enveneno no vinho.

Preciso-me de sentimentos
raros e impuros
nos quais a rosa geométrica do ácido
seja um bosquejo de sonhos.

Quero trafegar na magia negra do mundo
e me purificar
na leveza da vida não passada a limpo.

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Palavras


Para me suportar
a mim mesmo me basto.
Para não me morrer de tédio
mergulho-me palavras.
Sou pétalas de sons
murmuradas ao vento.

Desnecessito-me no hábito.
Desminto-me
nos braços de Évora.
Devoro-me nuns lábios
que não teriam sido.

Sendo-me anjo
o amanhã será outro dia.
Ou um sopro de palavras
perdidas. Ou o nada.

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